A presença masculina no parto

Por Cláudia Rodrigues
Historicamente o pai era figura non grata no parto. Em algumas culturas o ritual do parto representava apenas uma prova da capacidade de dar conta da sobrevivência; a mulher afastava-se de todos aos primeiros sinais de trabalho de parto para o fundo de um campo, uma floresta, armava o “ninho” e paria. Voltava para a vida social provando que ela e o filhote haviam dado conta da luta pela sobrevivência e assim eram aceitos. Aos poucos, conforme crescia a solidariedade entre as mulheres, o evento transformou-se num dos poucos redutos sociais de poder feminino e a mulher recebia suporte de outras mulheres para parir. O TP e especialmente o momento da expulsão eram protegidos dos olhos dos homens. O parto era a maçonaria das mulheres. No segundo livro de Pentateuco, o Êxodos, tem uma passagem que demonstra o grande poder das mulheres sobre o parto. A ordem do faraó era para que as parteiras sacrificassem todos os filhos de mulheres hebréias. Elas desobedeceram e diante do faraó deram como única desculpa o fato de que as mulheres hebréias não eram como as egípcias, tinham partos muito rápidos e antes mesmo das parteiras chegarem, as hebréias já haviam dado à luz. Não foram punidas e a ordem se desfez no ar.

A história das gregas, especialmente da mulher ateniense, se passou no lar; era considerada menor, não tinha direito público e casava-se ainda adolescente com homens na faixa dos 30 anos que exerciam a função tanto de maridos quanto de tutores jurídicos. A principal função da mulher era parir filhos homens, as meninas podiam ser sacrificadas a mando do marido, mas a prática médica hipocrática era voltada essencialmente para a guerra, luxações, feridas, fraturas, cirurgias e dietética. O saber empírico sobre o parto continuou com as mulheres, os homens não viam ainda poder algum ali para ser tomado e a assistência ao parto continuou à margem da prática médica. O primeiro programa formal de treinamento de parteiras foi no séc V A.C, iniciado por Hipócrates, mas a profissão de parteira não chegou nem perto da medicina, até porque as mulheres não podiam freqüentar escolas médicas, mesmo quando eram reconhecidamente “iatpouiaai”, médicas-parteiras experientes em casos complicados. As práticas de apoio social feminino foram mantidas durante quase todo o século XIX, mesmo quando as famílias abastadas começaram a contratar os serviços médicos.

Enquanto se manteve domiciliar, a colaboração das mulheres, a parceria entre parteira e doutor preservou o parto como evento essencialmente feminino, sendo o médico mais uma figura para fazer recomendações e cuidar da saúde da mulher e do bebê no pós-parto.


Lentamente, dentro de um processo político e econômico focado no tecnicismo, a mulher foi entregando também o corpo fisiológico paridor feminino ao homem, começou a duvidar da sabedoria empírica de suas ancestrais e principalmente a acreditar no corpo da mulher como falho, uma máquina que poderia emperrar a qualquer momento.

O corpo social feminino capaz de parir passa a ser manipulado e monopolizado pelos homens, como uma barganha no mesmo momento em que a mulher ganha espaço político na sociedade. Foi um processo complicado, absolutamente não tratado do ponto de vista psíquico masculino e literalmente o nascimento virou uma espécie de estupro sagrado. Para obter o filho, o falo de seu sagrado pênis, o homem cortou, puxou, empurrou e criou instrumentos e técnicas que hoje ainda custam a ser derrubadas nas melhores maternidades do país, como kristeller, episiotomia, raspagem de pelos, jejuns degradantes, abandonos, piadas e outras ações vindas da inconsciência tabulada por sofrimentos psíquicos masculinos até hoje não resolvidos em muitos homens, em muitos pais.


O pai no parto

Na década de 1960 algumas européias começaram a redescobrir o prazer de parir em casa e dessa onda veio a moda do pai participar do evento do nascimento. Logo transformou-se na parada do pai fotógrafo, vídeomaker e hoje os homens, preparados ou não, querendo ou não, estão sendo empurrados pela mulher e pela sogra, pela mãe e pelos enfermeiros a participarem do nascimento, como se ele fosse um ser inferior quando não deseja assistir ao parto.

Se o homem entende o parto como o ato fisiológico forte e lindo que é, se ele confia na fêmea que fecundou, sente-se alegre pelo nascimento, acha tudo natural e bem-vindo, ótimo. Mas se o sujeito tem medo, pavor de sangue, preconceito sobre o uso para outros fins da xonguinha que ele considera seu bibelô de estimação, é melhor deixá-lo para lá, especialmente se o parto for domiciliar. Nove meses de terapia para resolver questões complexas como as fantasias masculinas sobre o poder do corpo feminino pode ser pouco para um homem que foi criado para ver a mulher como um bichinho frágil. Para a mulher ter a seu lado na hora do parto um marido com o qual ela precisa se preocupar ou se ocupar é o pior que pode ocorrer. A fantasia de parir com o marido ao lado, caso ele não deseje e não se encaixe nesse papel precisa ser revista. Já assisti um lindo domiciliar em que a parturiente só avisou o pai da criança após o nascimento.

Durante a gestação ela, que havia sofrido um PN hospitalar com intervenções, já estava decidida pelo domiciliar; sondou o pai da criança que imediatamente revelou total desprezo pela escolha dela.
Confiante no que desejava, D.S. foi à luta, descolou uma amiga experiente como doula, uma parteira e como fazia o pré-natal pelo SUS, o pai nem desconfiou que ela estava levando os planos de PD adiante. Foi lindo o parto, liso, sem laceração, bebê grandão. Ela ligou assim que o I.S nasceu, o pai veio correndo, nem sabia que ela estava em TP, chegou com as clássicas flores e lógico, não foi menos pai por não ter assistido ao parto.
Dividir essa experiência com o parceiro, por amor e comunhão de ideais é tudo de bom, mas precisar do marido no parto, sentir-se carente por ele não estar ali, é medo de desfrutar esse poder, esse inefável prazer que só quem nasceu mulher pode sentir.

 

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